Estabelecimentos de saúde geram diariamente materiais que exigem manejo especializado devido aos riscos inerentes à atividade assistencial. A classificação inadequada desses resíduos representa ameaça tripla: exposição de profissionais a agentes patógenos, contaminação ambiental e responsabilização civil e criminal de gestores.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabeleceu sistema de classificação que organiza os resíduos em cinco grupos distintos, cada um exigindo protocolos específicos de segregação, acondicionamento e destinação final.
Grupo A: Resíduos Infectantes
Definição: Materiais com possível presença de agentes biológicos que podem apresentar risco de infecção devido às características de virulência ou concentração.
Subgrupo A1: Máximo Risco Biológico
Culturas e estoques de microrganismos classe de risco 4, bolsas de sangue rejeitadas por contaminação, sobras de amostras laboratoriais contendo sangue ou líquidos corpóreos na forma livre, materiais resultantes da atenção a pacientes com suspeita de contaminação por agentes emergentes.
Acondicionamento: Saco branco leitoso com símbolo de risco infectante, tratamento obrigatório antes da disposição final.
Subgrupo A2: Peças Anatômicas de Animais
Carcaças, vísceras e resíduos de animais submetidos a experimentação com inoculação de microrganismos que possam causar epidemia.
Acondicionamento: Saco vermelho com identificação “PEÇAS ANATÔMICAS DE ANIMAIS”. Tratamento obrigatório para inativação microbiana nível III.
Subgrupo A3: Peças Anatômicas Humanas
Membros, órgãos, tecidos, produtos de fecundação sem sinais vitais com peso inferior a 500 gramas ou estatura menor que 25 centímetros.
Acondicionamento: Saco vermelho com símbolo de risco infectante. Destinação específica conforme regulamentação sanitária.
Subgrupo A4: Resíduos Assistenciais Gerais
Kits de linhas arteriais, filtros de ar, materiais cirúrgicos, tecidos, órgãos humanos e animais sem contaminação específica conhecida. Representa o maior volume dos resíduos infectantes hospitalares.
Acondicionamento: Saco branco leitoso, tratamento facultativo dependendo da avaliação de risco local.
Subgrupo A5: Contaminação por Príons
Materiais com suspeita ou certeza de contaminação por príons – agentes infecciosos proteicos causadores de encefalopatias espongiformes.
Acondicionamento: Duplo saco vermelho com recipiente rígido exclusivo. Tratamento obrigatório por incineração devido ao altíssimo risco.
Grupo B: Resíduos Químicos
Definição: Substâncias químicas que apresentam risco à saúde pública ou meio ambiente por características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade.
Exemplos Principais: Medicamentos hormonais, antimicrobianos, citostáticos, antineoplásicos, quimioterápicos vencidos ou contaminados, saneantes, desinfetantes, reagentes laboratoriais, efluentes de reveladores radiológicos, resíduos contendo metais pesados.
Acondicionamento: Recipientes rígidos compatíveis com as características químicas, identificação específica por substância, observância de compatibilidade química para evitar reações perigosas.
Destinação: Tratamento específico obrigatório antes da disposição final. Resíduos líquidos não podem ser encaminhados para aterros.
Grupo C: Rejeitos Radioativos
Definição: Materiais contendo radionuclídeos em quantidades superiores aos limites de dispensa estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Fontes Típicas: Serviços de medicina nuclear, radioterapia, laboratórios de análises clínicas com marcadores radioativos, pesquisa com material radioativo.
Acondicionamento: Recipientes blindados específicos com símbolo internacional de radiação ionizante, identificação do radionuclídeo e atividade.
Destinação: Gerenciamento exclusivo pela CNEN através de instalações licenciadas para tratamento de material radioativo.
Grupo D: Resíduos Comuns
Definição: Materiais sem risco biológico, químico ou radiológico, equiparáveis aos resíduos domiciliares.
Exemplos: Papel administrativo, restos alimentares de refeitórios, embalagens em geral, materiais de escritório, equipamentos sem contaminação.
Vantagem Estratégica: Podem ser encaminhados para reciclagem, compostagem ou coleta seletiva, gerando economia e sustentabilidade.
Acondicionamento: Sacos cinza ou pretos, seguindo eventual padronização municipal para reciclagem.
Grupo E: Perfurocortantes
Definição: Materiais com capacidade de perfurar ou cortar, contaminados ou não com agentes biológicos.
Exemplos Críticos: Agulhas, escalpes, lâminas de bisturi, vidros quebrados de laboratório, lâminas de micrótomo, lancetas.
Acondicionamento: Recipientes rígidos, estanques, resistentes à punctura com tampa e identificação específica. Jamais reencapar agulhas ou manipular com as mãos.
Risco Ocupacional: Principal causa de acidentes em estabelecimentos de saúde, exigindo protocolos rigorosos de segregação no ponto de geração.
Consequências da Classificação Incorreta
Exposição Ocupacional: Trabalhadores expostos desnecessariamente a agentes patógenos por falha na segregação. Acidentes com perfurocortantes mal acondicionados resultam em afastamentos e protocolos pós-exposição custosos.
Sanções Regulatórias: Multas da ANVISA variam de R$ 2.000 a R$ 1,5 milhão. Embargo de atividades e cassação de licenças sanitárias em casos graves.
Responsabilização Civil e Criminal: Gestores respondem pessoalmente por danos ambientais e à saúde pública resultantes de gerenciamento inadequado.
Estratégias de Implementação
Capacitação Continuada: Treinamento de todos os profissionais envolvidos na geração e manejo, desde médicos até equipes de limpeza.
Segregação no Ponto de Geração: Instalação de coletores específicos em todos os locais de produção, eliminando necessidade de classificação posterior.
Plano de Gerenciamento Robusto: PGRSS detalhado contemplando fluxos, responsabilidades, emergências e monitoramento contínuo.
Auditoria Interna: Verificações regulares da conformidade com protocolos estabelecidos, identificando desvios antes de fiscalizações externas.
O gerenciamento adequado de resíduos de serviços de saúde transcende obrigação regulatória, constituindo pilar fundamental da segurança institucional. Investir em sistemas robustos de classificação e manejo representa proteção duradoura contra riscos operacionais, sanitários e legais inerentes à atividade assistencial.



